Terça-feira, 28 de Agosto de 2007

Por favor não insista!

  

 

   Mabrouk Hidouri é o chefe do Sector 5 do Hotel Mehari, em Hammamet, uma conhecida estância balnear da Tunísia, a quem está acometida a supervisão do restaurante principal, do vasto bar adjacente e de mais duas outras estruturas de não menor importância certamente, mas das quais, por falha minha, não tomei a devida nota no meu bloco de apontamentos.
   Homem a rondar os sessenta, encorpado e de baixa estatura, orienta, por debaixo do seu sóbrio fato cinzento escuro, com discreta mas reconhecida eficiência, aquilo que sempre me pareceu ser a difícil tarefa de acomodar num curto lapso de tempo, o imenso mar de gente que, diariamente e em catadupas, acorre ao restaurante para comer o que ciclicamente o seu organismo exige e, o que é pior, esbanjar o que seria mais que suficiente para saciar a fome de quem, um pouco por toda a parte, morre diariamente por causa dela.
   Entro no enorme salão e vejo, umas quantas mesas à frente, umas costas esculturais daquela que me pareceu ser uma não menos escultural morena. De suspender, por tempo indeterminado, a respiração ao mais evangélico dos apóstolos. Sozinha, ainda por cima.
O diálogo decorre, naturalmente, em francês.
   — Bonjour, monsieur! — disse-me Mabrouk Hidouri ao interceptar-me, com a cordialidade a que já me habituara.
   Acerco-me um pouco mais e sussurro-lhe quase ao ouvido:
   — Não seria possível sentar-me hoje ao lado da senhora, ali naquela mesa? — perguntei-lhe eu, apontando discretamente com a cabeça a esbelta figura que me chamara de imediato a atenção, ao mesmo tempo que, sub-repticiamente, lhe fazia escorregar para as mãos uma nota de dez dinares.
   — Impossible, monsieur! Absolument impossible! — respondeu-me, afastando-se com educado desinteresse, mas com o recato próprio da sua inabalável sabedoria.
   — Vinte dinares? — questionei-o eu, insistente, seguindo-o.
   — Pas d’insistance, monsieur! Je vous en prie!
   — Quarenta dinares, está bem ? — volvia eu, puxando já da carteira.
   — Monsieur, s’il vous plait!... — pedia-me Hidouri, dando mostras de um certo desconforto, ao mesmo tempo que indicava uma mesa a outros dois comensais.
   — Sessenta e o nome! Quero saber o nome! — e a minha persistência, reconheço-o, começava a ser-lhe embaraçosa.
   — Regardez les apparences, cher monsieur! Les apparences…
   — Cem dinares ! — exclamei eu, numa derradeira tentativa. — É a minha última oferta, mas tem de ser já!
   Mabrouk Hidouri parou. Mirou-me de alto a baixo e, pela primeira vez, olhou-me nos olhos. Com uma voz de ponderada comiseração, disse-me:
   — Decididamente, eu desisto de tentar perceber os ocidentais. Se podem ter uma mulher por cinquenta dinares, porque é que teimam em oferecer cem por um homem? E ainda por cima com bigode, mon Dieu?

publicado por jdc às 09:46
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