Tinha eu dez anos, gente humilde a quem não se pode nem deve dizer que não, convidou-me para ser padrinho do seu terceiro ou quarto filho, não me lembro.
Na igreja, diante da pia baptismal, o padre, pequeno em altura, pediu naquela voz solene que melhor se adapta às circunstâncias:
— Aproximem-se os padrinhos!
Minha mãe e eu, as personagens em questão, aproximámo-nos.
O padre, que apesar de ser pequeno dava, naquela época, certamente dois de mim, olhou-me do cimo da sua relativa altura e com ar interrogativo, a roçar o perplexo, perguntou:
— Que idade tem o padrinho?
— Doze! — respondeu a minha mãe, sabendo que não era por essa pequena mentira que iria calcorrear os quentes e pedregosos caminhos do purgatório.
— Ah, não pode ser! É pequeno demais para ser padrinho!
A minha mãe, com o sentido apurado de humor que sempre a caracterizou e com muita irreverência à mistura, replicou de imediato:
— Ora essa!… Deixe-se lá de lérias, senhor abade!… Também o senhor é pequeno e não deixa de ser padre por isso, que diabo!
E lá se fez a cerimónia, para alegria de quase todos os presentes, incluindo aquele pobre inocente que, apesar do banho imprevisto, sorria seraficamente. Por certo de alívio ao saber que, por uma unha negra, se livrara para todo o sempre das terríficas agruras do limbo. Que nessa altura ainda existia.