
Hoje levantei-me cedíssimo. Era noite ainda.
Adormeci tarde, excitado, sonhei com as Guerras Púnicas e as Invasões Napoleónicas – tudo a cores e à mistura - e acordei de um pulo, com as notícias das seis e meia no rádio.
E tudo isso deve ter acontecido, presumo eu, por ter sido hoje a minha primeira aula de Suaíli: das 8 às 10 da manhã.
Mas o que é que o Suaíli tem de tão especial assim para me provocar esta excitação toda, me levar a fazer a barba, apressado, de uma só passagem, a tomar um duche de água fria que quase me deixou à beira da mais aflitiva crise de hipotermia, de engolir – autenticamente – uma taça de corn-flakes com leite e zarpar, na bolina, para Letras, a fim de começar a aprender uma língua que, pese embora a circunstância de ser falada por 30 milhões de pessoas, quase ninguém sabe da sua existência ou está a par da sua utilidade, para além, claro está, da de servir para essas tais 30 milhões de almas não passarem o tempo, pasmadas, a olharem umas para as outros, sem terem o que dizer?
Para falar francamente, não faço a mínima ideia.
Como disse, hoje foi o meu primeiro dia de Suaíli, e nem por antecipação eu consigo justificar, de forma consequente, toda a excitação que me varreu dos pés à cabeça.
Tanto mais que não sei o que se faz com o Suaíli; não sei o que se pretende quando se estuda Suaíli, nem sequer sei o que fazer com o Suaíli que vou aprender, se é que alguma vez o vou saber falar ou escrever.
Mas falar Suaíli com quem? Escrever o quê ou a quem, para quê ou para quem?
E foi com estas e outras questões de razoabilidade semelhante a martelarem-me o juízo, que saí da sala de aula e entrei, três portas ao lado, na casa de banho dos homens. Sem dúvida o melhor sítio para se ponderar se se deve ou não aprender uma língua que ninguém sabe exactamente para o que nos vai servir. Se é que nos vai servir alguma vez para alguma coisa, nem que seja para dizer apenas obrigado.