— Senhor Florentino, tenha paciência, mas hoje tenho de lhe apresentar uma reclamação!
— Faça o favor, senhor Godinho!
— Então o senhor, sabendo que na minha casa só se gastam bananas da Madeira, foi vender à minha mulher aquela coisa horrorosa das «Bonitas» da Costa Rica?
— Mas não gosta, é?
— De quê? Das bananas da Costa Rica? Claro que não! Então o senhor não sabe que aquilo é amadurecido à força, com os cachos dentro de sacos plásticos azuis, que são os principais causadores da morte de centenas de tartarugas marinhas?
— Não sabia que as tartarugas gostavam de bananas.
— Não é de bananas senhor Florentino! É de sacos plásticos!
— Não me diga que as desgraçadas comem os sacos plásticos, senhor Godinho?
— É o que eu lhe digo. São atraídas pela cor azul, engolem-nos e morrem às centenas, asfixiadas.
— E é por isso que prefere as bananas da Madeira, o senhor?
— Não! Não é por isso! É que as da Madeira são mais saborosas!
— Quer-se dizer então que o senhor Godinho não se importa que as tartarugas morram por causa dos sacos azuis? O que lhe interessa mesmo são as bananas do Alberto João.
— Quero lá saber desse caramelo para alguma coisa, senhor Florentino! Claro que me importo com as coitadas! E não me esteja a tentar dar a volta nem se desvie da conversa, se faz favor!
— Eu não estou a tentar dar a volta a ninguém, senhor Godinho! O senhor é que falou nas tartarugas da Nicarágua, ou lá o que é...
— Não são da Nicarágua! São da Costa Rica!
— Mas na Nicarágua também não há bananas?
— Deve haver!
— E não são amadurecidas à força, em sacos azuis?
— Devem ser!
— E não há tartarugas nas costas da Nicarágua?
— Se calhar há! A Nicarágua é próxima da Costa Rica, portanto deve haver!
— E não foi lá que houve há uns anos uma revolução, chefiada por um tal Daniel Ortega, ou lá como se chamava o sujeito?
— E que é que isso tem a ver com as bananas da Madeira, senhor Florentino?
— A revolução nada! Mas tem as tartarugas!
— Mas na Madeira não há tartarugas! Só há bananas!
— Só há bananas, não! Que isso até eu sei, e nunca lá fui!
— Nunca lá foi porque não quis! Que as viagens agora até que estão baratas...
— Ai não me fale em baratas, senhor Godinho, que até me arrepio todo! Tenho um horror a esses bichos, que o senhor nem imagina. Olhe-me só para aqui e veja como é que eu fiquei com os pelos dos braços, só de ouvir falar em baratas...
— Acessíveis, senhor Florentino, acessíveis!
— Como?
— Estava eu a dizer que as viagens para a Madeira agora até estão a um preço acessível.
— Pois olhe que para mim, tanto se me dá, como se me deu. Nunca fiz tensões de ir à Madeira!...
— Não me diga que é por causa do Alberto João?
— E eu quero lá saber desse caramelo para alguma coisa, senhor Godinho!
— Então se calhar é por causa disso que a Madeira tem os problemas que tem.
— Não estou a perceber...
— Por ninguém querer saber do coitado para nada.
— Qual coitado, senhor Godinho?
— O Alberto João.
— E ele é coitado? Meretriz sei que é, pois foi ele próprio que se lhes comparou, na televisão. Agora coitado, é a primeira vez que ouço.
— Mas então afinal em que é que ficamos, senhor Florentino?
— Ficamos o quê, senhor Godinho?
— Da minha reclamação sobre as bananas...
— Ah, disso!... Tem toda a razão, sim senhor! Realmente as da Madeira são muito mais saborosas.
— Isso eu sei, senhor Florentino. Mas aquilo que eu quero que me diga é se me aceita de volta os três quilos de bananas da Costa Rica que vendeu ontem à minha mulher.
— Ai isso, nem pensar, senhor Godinho!
— Mas porquê?
— Então eu ia-lhe lá aceitar umas bananas que são responsáveis pela morte de centenas de tartarugas! É que nem pense nisso!
— Mas o senhor nem sequer sabia, que fui eu que lhe disse!
— E estou-lhe muito grato por isso. Aprender, aprender sempre!, como dizia um gajo qualquer comunista de Leste. A minha mercearia, senhor Godinho, é conceituada e conhecida por só vender produtos naturais e ecológicos. Reciclados de preferência. Veja o caso da palha d’aço, por exemplo...
— O que é que tem a palha d’aço?
— É um produto cem por cento reciclado.
— Está bem, e as bananas?
— As bananas, que eu saiba, não!
— Ó senhor Florentino, deixe-se de tretas, que diabo! Eu só quero saber como é que vou ser compensado por um erro que não cometi?
— Mas isso resolve-se já, senhor Godinho! Dou-lhe outros três quilos de bananas e pronto... Ora aqui estão elas, mais uma de contrapeso! E são as últimas!
— Mas isto são bananas da Costa Rica!
— E queria que fossem donde? Da Madeira?
— Claro!
— Isso é que era bom! Para o senhor andar a espalhar aí pela vizinhança que eu tenho à venda produtos que colaboram com o extermínio de pobres tartarugas indefesas, não ? E a reputação do meu estabelecimento? Não conta?