do cartaz "Kangaroo Jack"
É sabido que o ornitorrinco é um animal anfíbio esquisitíssimo, que tem o corpo coberto de penas, a boca em forma de enorme bico de pato e põe ovos apesar de ser mamífero. Habita os rios e lagos do continente australiano e da ilha da Tasmânia.
É conhecida também a relação conflituosa que, desde os mais remotos tempos, existe entre o canguru e o ornitorrinco.
Imagine-se agora que, um belo dia, um canguru adolescente, daqueles com muito gel no cabelo, muita chuinga na boca, ténis de marca, se apaixona perdidamente por uma ornitorrinca ligeiramente mais nova que ele.
Sim!... E depois?
Depois, começa por ter aquele comportamento típico dos jovens perdidamente apaixonados: chega a casa tarde, muito depois das aulas, tranca-se no quarto pondo a música em altos berros, ainda por cima aquela coisa dos Depeche Mode ou, o que é muito pior, dos Kraftwerk. Senta-se à mesa para jantar com o olhar perdido muito para lá da linha do horizonte e tem, para desespero da mãe, o desplante de deitar dilúvios de ketchup em tudo, incluindo na torta enrolada de chocolate, um segredo de família.
Depois da última palitadela de dentes — o puto já palita os dentes —, afasta a cadeira displicente e declara para os pais, enquanto se levanta enjorcadamente:
— Engravidei a Carla Sofia!
— Quem?! — perguntou o pai, entre dois sonoros arrotos e doses industriais de estupefacção. — O quê?!..., a filha daqueles ovíparos de merda?
— Se são ovíparos ou não, não sei, que eu não sou dado a essas filosofias!... Só sei que a garina já está de dois meses!
— Mas isto está tudo doido! Então agora é assim?... Não se medem as responsabilidades, nem sequer as consequências? — exacerbou-se o pai, particularmente inspirado e verbalizante naquele dia, perante o olhar atarantado da mãe prestes a rebentar num choro que, a avaliar por amostras anteriores, iria ser bem convulsivo.
— Não pedi a opinião de ninguém e está tudo sob controlo! — exclamou o chavalo, já a sair a porta da cozinha.
— Ouve lá!... — berrou-lhe o pai. — Mas tudo sob controlo, como?
— Vamos viver na casa dos pais dela com a reforma do meu avô!...
— Que te governes com a reforma do teu avô, acho muito bem, que o velho nunca soube o que havia de fazer a tanto dinheiro — e o pai, ao dizer isto, esmagava a beata no prato por entre os restos de comida e tentava escorropichar o copo, desesperado, à procura da última gota de vinho —, mas agora ires viver para a casa daqueles ovíparos — sentenciou peremptório —, é que nem por cima do meu cadáver, estás a ouvir?!
E enquanto se levantava, desensarilhando as tiras dos suspensórios das alças da camisola interior, ainda teve tempo para vociferar, perante o ar desconsolado da mulher: — Para além de te deserdar, evidentemente!
Moral da história: É indigno de qualquer fábula, uma história como esta ter moral.